Especialistas em saúde mental têm expressado preocupações sobre a legalização da cannabis, alertando que isso pode resultar em um aumento nos casos de psicose. Recentemente, uma nova pesquisa trouxe dados que reforçam essa preocupação.
Na Alemanha, onde a legalização avançou com a permissão para a compra em clubes de cultivo, especialistas têm manifestado oposição. Eles afirmam que a liberação pode ser prejudicial à saúde mental dos jovens.
A ligação entre o uso de cannabis e o desenvolvimento de psicose não é contestada. No entanto, defensores da legalização argumentam que isso não implica necessariamente em um aumento nos casos entre os jovens. A vulnerabilidade estaria mais associada a fatores genéticos ou traumas anteriores.
Os defensores também destacam que o risco de desenvolver uma psicose está ligado não apenas ao uso do cannabis, mas também a outros fatores como idade de início do consumo, quantidade utilizada e concentração de THC. A legalização, segundo eles, poderia mitigar esses riscos ao permitir um controle maior sobre as substâncias disponíveis.
Recentemente, porém, a discussão sobre os efeitos da legalização ganhou novos contornos após a publicação de um estudo realizado por pesquisadores do Ottawa Hospital Research Institute no Canadá.
Aumento dos casos de psicose
De acordo com os dados analisados, desde que o cannabis foi legalizado na província de Ontário há sete anos, o número de diagnósticos novos de psicose praticamente dobrou.
Além disso, os consumidores regulares apresentaram taxas de esquizofrenia 15 vezes superiores à média da população geral.
Estudos anteriores já indicavam que o consumo diário de THC poderia triplicar o risco de desenvolver psicose.
Em relação ao uso de substâncias altamente concentradas em THC, esse risco poderia aumentar até cinco vezes.
Legalização incentivou o consumo
Um estudo no Colorado revelou que a legalização incentivou o consumo entre adolescentes, com 39% a mais desse grupo etário consumindo cannabis em comparação com estados vizinhos onde o uso continua restrito.
Pesquisadores alertam que adolescentes são especialmente suscetíveis devido à imaturidade cerebral e à forma como seus sistemas endocanabinoides interagem com substâncias externas. Esse desequilíbrio pode impactar outras áreas cerebrais relacionadas às condições mentais.
Euphrosyne Gouzoulis-Mayfrank, presidente da Sociedade Psiquiátrica Alemã (DGPPN), considera que a nova pesquisa fortalece sua posição contrária à legalização do cannabis, enfatizando que o aumento no uso entre jovens pode levar a um aumento nas doenças mentais.
Estudo mostra que a cannabis altera função cerebral de modo durável
A discussão sobre a legalização da produção e venda de cannabis para fins recreativos ou medicinais continua a ser um tema polêmico.
Contrariando as alegações de seus defensores, a cannabis não é um produto isento de riscos: suas consequências adversas à saúde foram comprovadas e continuam a ser objeto de investigação.
Um estudo publicado na JAMA Network Open analisou o impacto da cannabis na ativação cerebral durante diversas tarefas cognitivas.
A pesquisa envolveu 1.003 adultos, com idade média de 29 anos, sendo 470 homens e 533 mulheres. Os participantes foram divididos em três grupos com base em seus hábitos de consumo de cannabis: usuários pesados, que consumiram mais de 1.000 vezes ao longo da vida (8,8% da amostra), usuários moderados (17,8%), e não usuários, que consumiram 10 vezes ou menos (73,4%).
Todos os participantes passaram por ressonância magnética (IRM) e realizaram um teste de urina no mesmo dia para verificar se haviam usado cannabis recentemente (nos últimos 10 dias).
O estudo investigou como o consumo de cannabis afeta a atividade cerebral em diversas funções cognitivas, incluindo memória de trabalho, regulação emocional, compreensão linguística, motricidade, tomada de decisão e interações sociais.
Durante cada tarefa, os pesquisadores mapearam as áreas cerebrais ativadas e a intensidade dessa ativação.
Resultados
De acordo com os resultados obtidos, o uso intenso e prolongado do cannabis combinado com um consumo recente resulta em danos consideráveis à atividade cerebral.
A pesquisa revelou uma redução significativa da ativação cerebral em tarefas relacionadas à memória de trabalho: “Observamos uma diminuição aproximada de 14% na ativação cerebral durante essas tarefas entre os grandes usuários em comparação aos não usuários”, afirmou Josh Gowin, professor da Escola de Medicina da Universidade do Colorado e coautor do estudo.
Além disso, notou-se que entre os consumidores regulares, a ativação na região do ínsula anterior — uma área do cérebro associada à percepção e emoções — era substancialmente reduzida.
Efeitos prejudiciais a longo prazo
Outro dado alarmante é que não houve diferenças significativas entre usuários pesados que consumiram cannabis nos últimos 10 dias e aqueles que não haviam consumido recentemente; isso indica que os efeitos prejudiciais se manifestam ao longo do tempo.
O mecanismo pelo qual o THC atua no cérebro é complexo. O tetrahidrocannabinol (THC) é o principal composto ativo encontrado na cannabis.
Quando inalado ou ingerido, ele substitui a anandamida — um neurotransmissor natural — nos receptores cerebrais. Essa interação no sistema de recompensa provoca liberação excessiva de dopamina, criando sensações de prazer procuradas pelos usuários.
Entretanto, devido à maior quantidade de THC comparado à anandamida presente naturalmente no cérebro e à duração prolongada dos efeitos do THC, há uma saturação temporária desse sistema autorregulatório.
O cérebro busca constantemente um equilíbrio químico; assim, uma superexposição aos receptores dopaminérgicos pode levar ao seu fechamento temporário.
Danos cerebrais irreversíveis
Isso explica alguns dos sintomas adversos associados ao uso excessivo de cannabis, como ansiedade e paranoia.
Se esses efeitos se prolongarem por muito tempo, podem causar danos cerebrais irreversíveis; o uso regular tem sido associado à redução da densidade dos receptores dopaminérgicos e até mudanças estruturais no cérebro, especialmente em fumantes jovens.
Fonte/Créditos: O antagonista
Créditos (Imagem de capa): Reprodução
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